Esta é uma reportagem dividida
em quatro capítulos.
Se ainda não o fizeste,
começa por ler os anteriores.
This is a report divided
into four chapters.
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“O que nos fizeram
foi uma traição”
Em miúdo, embalado pelo som das aves e dos mistérios do mangal, Juldé Jaquité costumava percorrer com o pai as águas do rio Cacine, no Sul da Guiné. Juntos, a bordo de uma canoa de madeira, apanhavam peixe para vender no mercado e alimentar toda a família. Quando a festa que celebrou o “Golpe de Spínola” teve um fim, esta era para Juldé uma memória distante, um passado impossível de se repetir. Nos meses que se seguiram a Abril de 1974, sentia-se perdido, os pensamentos atormentavam-no. Só mesmo os cigarros — um atrás do outro — pareciam ser capazes de lhes pôr um travão.
O silêncio, quando invade, pode ter muitas formas: a de um rio que corre sem desafiar as leis da natureza; a do medo de quem sustém a respiração para não ser descoberto; a da raiva acumulada, ano após ano, proibida de explodir. A tropa, a guerra, roubaram-lhe a juventude. Seria mesmo possível que, agora, este limbo a que chamavam “paz” tivesse chegado para lhe interditar a vida adulta?
Em Setembro de 1974, Juldé, um homem possante de quem o Exército português fez furriel dos comandos, deixou Bissau e partiu em fuga para o Senegal. Saiu sem nenhuma certeza, nem mesmo das razões que o levavam a querer desaparecer. Não esquecia, não tinha como esquecer, a noite em que, à socapa, o ex-marido da mulher lhe bateu à porta e o alertou: “Juldé, sai de Bissau e vai para o Senegal. Estou a dizer-te isto porque trataste bem dos meus filhos, não te posso trair. Sei que o PAIGC [Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde] vai matar todos os comandos, incluindo os graduados. Vão todos morrer.” Quase 50 anos depois, Juldé garante continuar a ser capaz de reproduzir as miudezas deste encontro:
“Respondi-lhe que não ia a lado nenhum, que não tinha motivos para fugir. Ele pediu-me para não dizer a ninguém o que me tinha contado, ou o matariam. Entrou no jipe e foi-se embora. Eu sentei-me a fumar.”
Joaquim Boquindi Mané
Furriel
1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné
“Depois da festa, vieram dias difíceis. Prenderam muitos comandos, diziam que éramos brancos. Quem tivesse combatido ao lado dos brancos, era castigado. Diziam que éramos colonos, que tínhamos feito ostentação e que, agora, quem mandava eram eles. Muitas pessoas diziam: ‘Larguem-nos, a guerra já acabou. A guerra é que nos fez inimigos, mas agora somos irmãos. Deixem-nos.’”
A 8 de Outubro, os comandos metropolitanos regressaram a Lisboa. Por essa altura, os militares africanos da mesma unidade estavam aind