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Um trabalho DIVERGENTE

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“Queriam formar
uma companhia
de comandos
para acabar
com a guerra”

A juventude é um lugar eterno, cristalizado no tempo — o “meu tempo”. No “meu tempo”, somos quase sempre mais bonitos, mais tenazes, mais fogosos, quase nunca temos medo, e é raro pensarmos que a vida tem prazo para acabar. Ao recordar o “seu tempo”, é inevitável para Galé Jaló falar dos anos que passou nos comandos. É como se os seus olhos disparassem flashes e o sorriso, que começa tímido, perdesse o controle: “Não me esqueço, até hoje, de como se apresentava a arma.

Os comandos não eram uma tropa normal, éramos especiais, os homens mais importantes da Guiné. Ganhávamos mais do que a tropa comum, tínhamos dinheiro e prestígio. As mulheres diziam: ‘Aqui chegou o macho.’”

Da guerra, muitos homens voltavam aos bocados, ou nem sequer voltavam, mas sobre isso o soldado da 3.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné não entra em detalhes: “O treino dos comandos era duro mas, depois de três ou quatro dias, acostumávamo-nos e deixávamos de ter medo. Não queríamos que os colegas dissessem ‘este é cobarde’. Ah, naquele tempo, eu tinha boa forma, veja só a caderneta…” A juventude é também um lugar absolutista: apaga o que não quer recordar e veda ao presente e ao futuro qualquer possibilidade de a igualarem em esplendor.

Galé Jaló trabalhava na construção da Ponte do Saltinho, uma das grandes obras públicas da administração portuguesa na Guiné, quando um sargento o chamou e lhe disse: “Tens de dar o nome para os comandos ou para os fuzileiros, senão vais para a ilha de Caravela [ilha do arquipélago dos Bijagós, onde ficavam reclusos os que não acatavam as ordens do Estado]”.

Decorria o ano de 1972 e vivia-se o último fôlego da guerra, Galé foi receber a farda a Bissau e seguiu para o quartel de Fá Mandinga, no Leste da Guiné. Aqui, os que já faziam parte das Forças Armadas Portuguesas (FAP) juntaram-se a novos recrutas e começaram a ser treinados para integrar as três companhias do Batalhão de Comandos da Guiné — todos escolhidos a dedo, a mando do governador António de Spínola.

Fonte:

 

“Os comandos da Guiné”, Mama Sume — Revista da Associação de Comandos, n.º 75, Raul Folques

 

Paulo Rodrigues foi outro desses homens. Um capitão tirou-o da Companhia de Caçadores 6, onde já cumpria o serviço militar obrigatório, e levou-o para Fá Mandinga: “Escolheram africanos de vários contingentes, queriam formar uma companhia de comandos para acabar com a guerra — a tropa especial era muito melhor do que a normal, actuava em todas as partes.”

Paulo recorda esses tempos com um júbilo que contagia, fala de si e dos colegas como se fossem pavões: “Eu era jovem, simpático… Naquele tempo, as moças viam-me e gostavam. Quando usávamos a farda de comando e passeávamos por Bissau, toda a gente ficava a olhar para nós. Saltávamos dos carros em andamento e caíamos de pé.” Gastava tudo o que ganhava em comida e paródias: “Não interessava mais nada. Era jovem, não pensava mais à frente… Nos tempos de descanso, nunca vinha para casa, ia passear de mota com o meu primo.”

As Forças Armadas Portuguesas precisavam de homens fortes, destemidos, capazes de suportar longos períodos de isolamento no mato. Homens em quem as chefias militares pudessem confiar de forma cega.

Muito mais conhecedores do terreno do que as tropas metropolitanas, os comandos africanos foram a jogada de xeque com a qual Spínola acreditou ser possível ganhar a guerra. A única tropa de elite da história do Exército português composta, desde a base até ao topo, exclusivamente por homens negros. Eram os mais atléticos, mais valentes e mais audazes de toda a Guiné — pelo menos é disso que ainda hoje se gabam.

Fonte:

 

“African Troops in the Portuguese Colonial Army, 1961-1974: Angola, Guinea-Bissau and Mozambique”, João Paulo Borges Coelho

“[Era preciso] criar soldados capazes de fazer a guerrilha, de raciocinar sob as piores condições de clima, dotados de inteligência para poderem desembaraçar-se duma situação perigosa, audácia para dar caça sem tréguas ao inimigo, coragem para fazer uso de armas silenciosas, dotados de espírito de equipa de modo a actuar em conjunto tendo sempre em vista que o grupo a que pertencem não pode ser comprometido. Ter sangue frio necessário para deixar o inimigo aproximar-se ou aproximar-se do inimigo sem se precipitar, comprometendo-se ou comprometendo o grupo a que pertence, ter preparação física necessária para poder fazer longas marchas, ser resistente fisicamente e moralmente para passar as maiores provações, sem desânimo e sem desalento. Ter paciência de, se necessário, esperar horas, sem falar e sem se mexer para surpreender o adversário: a perseverança para caçar o adversário custe o que custar. Ser capaz de desencadear um golpe brutal e desaparecer rapidamente, actuando como verdadeiros fantasmas, quer de noite quer de dia. Não é possível encontrar todas estas qualidades na maioria dos casos. Daqui a necessidade de criar equipas especialmente seleccionadas e preparadas para o efeito, baseadas essencialmente no voluntariado.”

Fonte: “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 14.º Volume: Comandos”, Estado-Maior do Exército

A criação dos comandos

A criação dos comandos

A criação dos comandos
A criação dos comandos

À medida que a guerra se intensificava em Moçambique, em Angola e na Guiné, passaram a ser necessários cada vez mais homens que conhecessem bem o terreno e fossem capazes de suportar longos períodos de isolamento na mata. Foi neste contexto que, em 1962, se criou em Angola um centro de instrução para a tropa Comando. No ano seguinte, nove militares voluntários — sete metropolitanos ( António Correia Diniz, Maurício Leonel Sousa, Justino Coelho Godinho, Gil Roseira Dias, Mário Roseira Dias, Artur Pereira Pires e António Vassalo Miranda) e dois guineenses (Abdulai Queta Jamanca e Abdulai Djaló) — foram para aí enviados e iniciaram a formação de Comando, com o objectivo de criar uma unidade dessa tropa na Guiné. Em 1964, começou o primeiro curso de Comandos na Guiné.

A criação dos comandos

Fontes:

 

“Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 14.º Volume: Comandos”, Estado-Maior do Exército

 

“Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 6.º Volume: Aspectos da actividade operacional, Tomo II Guiné, Livro 1”, Estado-Maior do Exército

 

“Os comandos da Guiné”, Mama Sume — Revista da Associação de Comandos n.º 75, Raul Folques

Entre 1965 e 1970, as Companhias de Comandos da Guiné integraram tropas metropolitanas e locais. “Fantasmas”, “Camaleões”, “Panteras”, “Diabólicos”, “Vampiros”, “Centuriões” e “Apaches” foram alguns dos grupos que delas fizeram parte. Com o intuito de criar uma tropa de elite integralmente composta por africanos, em Julho de 1969, António de Spínola começou a treinar militares, milícias e novos recrutas.

A criação dos comandos
A criação dos comandos
A criação dos comandos

Fontes:

 

“Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 14.º Volume: Comandos”, Estado-Maior do Exército

 

“Os comandos na Guiné”, Mama Sume — Revista da Associação de Comandos n.º 75, Raul Folques

 

Apesar de a 1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné só ter sido oficializada em 1971, os homens que a formaram começaram a actuar meses antes, em operações especiais como, por exemplo, a “Mar Verde”. As 2.ª e 3.ª Companhias de Comandos Africanos foram criadas logo em seguida, e em 1973 o Batalhão de Comandos da Guiné, sob o comando de Raul Folques (hoje coronel), foi oficializado. Quando a guerra acabou, preparava-se a 4.ª companhia desta unidade.

Malam Samá acredita, até hoje, ter sido por vontade de Deus que sobreviveu aos comandos. Deus e a mezinha que o pai lhe fez para impedir que as balas o atingissem no mato: “Era uma corda que se amarrava à volta da cintura e me protegia.” Quando chegou ao quartel de Fá Mandinga, os recrutas foram divididos por grupos, cada um com 25 homens.

Treinavam dia e noite, entre flexões, abdominais, corrida, tiro com armas. O tempo que sobrava era pouco até para dormir: “Estivemos um ano naquela terra, só no curso de comandos. Os treinos eram fortes, havia gente que morria, mas na nossa companhia só tivemos um morto, no rio de Bafatá. Fomos fazer a instrução de mar, ele entrou no rio, não sabia nadar, engoliu água e afogou-se. Depois apareceu e fomos enterrá-lo. Alguns também levaram tiros e houve um a quem uma granada lhe rebentou nas mãos e as destruiu completamente.”

Joaquim Boquindi Mané

Furriel

 

1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné

“Tinhas de ser rápido, ágil, ter uma mão com mira certeira. Eu, se for hoje caçar rolas, disparo e mato duas ou três. Na instrução, diziam que cada bala tinha um nome, não ousávamos disparar à toa. Os treinos eram difíceis, muitos morreram lá. Aprendíamos a disparar, a guiar um carro, a saltar de um helicóptero. Nos comandos, havia uma mezinha que nos davam para não termos medo: punham comprimidos num bidão de 200 litros com água e bebíamos daí. Se tivéssemos medo, vinha-nos a coragem. Alguns pensavam que era droga e não bebiam.”

Em Fá Mandinga, debaixo de um sol escaldante, os futuros comandos eram obrigados a atravessar rios com crocodilos e a treinar com balas reais. Aqui, fabricavam-se máquinas de guerra numa espécie de linha de montagem de seres humanos: os que não aguentavam a dureza dos treinos, qual autómato com defeito, eram postos à margem.

Foram muitos os que perderam a vida durante a instrução, ou dali saíram feridos. Mas o poder e a fama, quando se alapam, parecem ter o dom de fazer sumir a desgraça. Se é verdade que, ao início, muitos destes homens se tornaram comandos a contragosto, também é verdade que rapidamente se habituaram aos regalos do novo lugar: o camuflado justo e bem engomado, o brilho da graxa preta sobre as botas de cabedal e a arma que passaram a poder empunhar davam-lhes um estatuto de que se orgulhavam.

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“A primeira vez
que vi um morto
na mata, fiquei
quase uma semana
traumatizado”

Julião Correia

Soldado

 

1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné

“A guerra que fazíamos era de militares contra militares, não disparávamos contra as tabancas. Quem ia para o mato e não morria, quando voltava ao quartel, fazia uma festinha, a cantina estava aberta: quem queria beber uma cervejinha, bebia; quem queria beber um vinho tinto, bebia; quem morria, perdia tudo.”

Paulo Rodrigues

Alferes

 

1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné

“Quando combatemos, sabemos que vamos para o mato e que lá vão acontecer coisas. Mesmo que tivéssemos medo, íamos na mesma. Só havia duas hipóteses: ou nos salvávamos, ou morríamos. Quando se é jovem, o medo não interessa.”

Armando Paulo Sambú

Furriel

 

1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné.

“Caminhávamos dois, três, 15 dias no mato, a comer ração de combate. Arranjavam sardinhas e aquele pão grande. Não podíamos ter medo, como é que íamos fazer? Não matávamos ninguém directamente, mas trocávamos tiros. Eles disparavam, nós disparávamos, ninguém podia garantir onde caíam as balas.”

Depois da recruta, os comandos africanos foram enviados para Bissau. Apresentavam-se duas vezes por dia no quartel de Brá e só entravam em acção nos dias de operações especiais. Eram a “arma secreta” que o Exército português activava nas missões mais difíceis, aquelas em que se corriam mais riscos. O objectivo era, por norma, alcançar as zonas mais recônditas da Guiné, onde se encontrava acampada a guerrilha do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). O destino, ao certo, era quase sempre desconhecido. Manter segredo era a única maneira de garantir que não havia fugas de informação entre familiares e amigos em lados opostos da barricada.

Vestiam o camuflado e eram largados de helicóptero, às vezes “a mais de cinco metros de altura, sem pára-quedas, sem nada”, detalha Galé Jaló. Consigo, levavam uma pistola-metralhadora, granadas, faca de mato, cinturão com cartucheiras, cantil, saco-cama, impermeável e ração de combate.O objectivo era quase sempre o mesmo: capturar elementos do PAIGC e destruir as bases do movimento.

Os comandos eram os primeiros a enfrentar o perigo, tomavam a dianteira das acções e protegiam as tropas brancas, que vinham atrás. No final de cada operação, tentavam desaparecer sem deixar rasto.

Fonte:

 

“Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 14.º Volume: Comandos”, Estado-Maior do Exército

O mito Marcelino da Mata

O mito Marcelino da Mata

O mito Marcelino da Mata

Fonte:

 

“Guerra, paz e fuzilamentos dos guerreiros”, Manuel Amaro Bernardo

Marcelino da Mata foi monitor do primeiro curso de Comandos na Guiné, 1.º cabo do grupo “Panteras” e liderou a Companhia de Operações Especiais (COE), um grupo que actuava à margem das regras impostas às tropas do Exército português.

O mito Marcelino da Mata

Do lado de Portugal, é recordado como um dos militares mais condecorados do Exército. Do lado da Guiné-Bissau, como um criminoso de guerra. Uns, salientam a sua valentia e obstinação. Outros, a crueldade com que matou pessoas. É um homem que dificilmente reunirá consensos.

Apesar de nunca ter integrado nenhuma das Companhias de Comandos Africanos da Guiné, ainda hoje a opinião pública julga os militares que fizeram parte destas unidades pelas acções atribuídas a Marcelino da Mata, e pelo imaginário em torno da sua figura.

O mito Marcelino da Mata

Das mais de 17 operações em que participaram, a “Mar Verde” foi uma das mais marcantes. Com o intuito de travar o apoio da Guiné-Conacri ao PAIGC, em Novembro de 1970, Spínola planeou um golpe de Estado e ordenou aos militares portugueses que vestissem os uniformes do Exército desse país com um triplo propósito: tirar do poder o chefe de Estado Sékou Touré, capturar Amílcar Cabral e libertar os portugueses que aí tinham sido presos pelo PAIGC.

Fonte:

 

“Guerra Colonial”, Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes

 

Para concretizar estas tarefas, chamou os recrutas da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, que se começava a formar naquela altura, e levou-os para a ilha de Soga, no arquipélago dos Bijagós. Sobre o que lá se passou, todos repetem a mesma história: foram informados dos objectivos e do que cada um teria de fazer quando chegassem a Conacri.

Mamadu Camará

Soldado

 

1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné

“Não nos deixaram ir com nada que identificasse Portugal — fardamento, armamento, comida, veio tudo de fora, até os cigarros vieram de fora. Sentia que não ia regressar, assim como outros colegas que foram e não regressaram. Tinha medo que um submarino viesse interpelar-nos pelo caminho e desse cabo de nós todos antes de chegarmos a Conacri. Mas chegámos ao porto, descemos, cumprimos a missão e regressámos.”

Luís Sambu

Soldado

 

1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné

“A operação de que me lembro com mais força é a de Conacri. O Spínola viu que a situação estava um pouco rija, levou-nos para onde não queríamos e íamos perdendo a vida nessa brincadeira. O objectivo era libertar os portugueses. Num primeiro momento, eles não acreditaram que éramos comandos, porque vestíamos o fardamento do outro partido. Mas Deus ajudou: tirámo-los de lá, eles apanharam o barco, chegaram a Bissau e foram para Lisboa. Nós fomos os últimos a voltar.”

Uma “missão suicida” a que João Bacar Djaló, capitão da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, se opôs. Mamadu Camará, soldado desta companhia, conta que o capitão disse ao comando-chefe que não iria enviar os seus filhos para a morte. Mas não lhes deram opção: ou iam, ou todas as tropas seriam postas num barco armadilhado no meio do mar.

Uma tentativa de golpe de Estado

Uma tentativa de golpe de Estado

Uma tentativa de golpe de Estado

 

“Mar Verde” foi a operação militar irregular de maior envergadura da história do Exército e também a que teve mais impacto internacional. Decorreu entre 20 e 22 de Novembro de 1970 e, até hoje, o Estado português nunca a reconheceu oficialmente.

Uma tentativa de golpe de Estado

Na madrugada de 22 de Novembro, os militares portugueses, vestidos com uniformes e equipamentos da tropa da Guiné-Conacri, desembarcaram na capital deste país com o objectivo de fazer um golpe de Estado, depor o presidente Sékou Touré, prender Amílcar Cabral e libertar os presos portugueses que aqui se encontravam.

Mas a operação foi um fracasso: o palácio de Sékou Touré foi assaltado, mas o líder não estava lá; as instalações do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) foram destruídas, mas Amílcar Cabral encontrava-se no estrangeiro; o aeroporto foi tomado, mas os aviões MiG não foram abatidos por não se encontrarem nesta base; a central eléctrica foi desactivada, mas a escuridão impediu a orientação nas ruas da cidade; e a emissora da rádio nunca chegou a ser invadida. A única acção bem-sucedida foi a libertação de 26 militares portugueses que tinham sido capturados pela guerrilha do PAIGC.

Uma tentativa de golpe de Estado

Fontes:

 

“Guerra Colonial”, Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes

 

“Tributo”, Associação de Comandos, 2012

Ainda de acordo com relatos do Exército, todos os militares que participaram nesta operação compareceram nos locais que lhes tinham sido destinados, excepto um grupo de comandos africanos, sob a chefia do tenente Januário Lopes. Estes homens foram dados como desertores e terão sido fuzilados a mando de Sékou Touré. Contam-se pelo menos 22 comandos africanos que perderam a vida em Conacri.

Além destes homens, as Forças Armadas Portuguesas registaram mais quatro mortos, três feridos graves e seis ligeiros, e mataram cerca de 500 pessoas, entre militares e civis.

Sékou Touré apresentou uma queixa contra Portugal nas Nações Unidas e denunciou a invasão do território de uma nação soberana.

Uma tentativa de golpe de Estado

Amadú Demba Jamanca | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Bernardo Sanca | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Cipriano Mendes Pereira | 1.º Cabo da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Daniel Andrade | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Francisco José Miguel Sampaio | Furriel da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Gregório Soares da Gama | Furriel da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

João Januário Lopes | Tenente da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

João da Silva | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

João Pinto de Oliveira Sá | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Joãozinho Mendes Dembadja | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

José Bubacar Embaló | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

José Có | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Júlio César Sá Nogueira | Furriel da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Mário Gomes | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Mário de Jesus Teixeira | Furriel da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Mário Dias Carlos Correia | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Pedro Lopes | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Romão Infolna | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Semedo Pereira da Silva | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Tala Biu Jaló | Furriel da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Teófilo Benício Gomes | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Vicente Lefan | Soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos

Operações em que os Comandos Africanos da Guiné participaram

Operations in which the Portuguese Guinean section of the African Commandos participated

Águia Errante Bela Madona Safira Encarnada Rubi Maior Falcão Dourado Topázio Cantante Esmeralda Negra Kanguru Indisposto Ágata Encantada Jade Errante Ametista Real Malaquite Utópica Gema Opalina Galáxia Vermelha Milho Verde II Seara Encantada Neve Gelada

Operação:

Operation:

Águia Errante

12 a 16 de Setembro
de 1972

Operação:

Operation:

Bela Madona

7 a 9 de Outubro
de 1972

Operação:

Operation:

Safira Encarnada

8 a 11 de Novembro
de 1972

Operação:

Operation:

Rubi Maior

22 a 27 de Dezembro
de 1972

Operação:

Operation:

Falcão Dourado

14 a 17 de Janeiro
de 1973

Operação:

Operation:

Topázio Cantante

24 a 27 de Janeiro
de 1973

Operação:

Operation:

Esmeralda Negra

13 a 17 de Fevereiro
de 1973

Operação:

Operation:

Kanguru Indisposto

20 a 23 de Março
de 1973

Operação:

Operation:

Ágata Encantada

2 a 5 de Abril
de 1973

Operação:

Operation:

Jade Errante

20 a 25 de Abril
de 1973

Operação:

Operation:

Ametista Real

17 a 22 de Maio
de 1973

Operação:

Operation:

Malaquite Utópica

22 a 24 de Julho
de 1973

Operação:

Operation:

Gema Opalina

24 a 27 de Setembro
de 1973

Operação:

Operation:

Galáxia Vermelha

22 de Dezembro
de 1973 a
1 de Janeiro
de 1974

Operação:

Operation:

Milho Verde II

14 a 17 de Fevereiro
de 1974

Operação:

Operation:

Seara Encantada

22 a 26 de Fevereiro
de 1974

Operação:

Operation:

Neve Gelada

21 a 31 de Março
de 1974

Todos os dias, quando o sol se punha, a mãe de Abdulai Djaló sentava-se a chorar. Foram noites e noites em que, mesmo quando os olhos se fechavam, a cabeça não conseguia desligar. Alfa, o filho mais velho, era comandante do PAIGC; Abdulai, o mais novo, comando africano do Exército português. Pensar que dois homens que lhe tinham saído das entranhas se poderiam matar um ao outro estava a enlouquecê-la. Quem conta esta história é Abdulai Djaló, soldado da 1.ª Companhia de Comandos Africanos: “Sempre que voltava de uma operação perguntava-me ‘Não viste o teu irmão? O teu irmão está vivo?’, dizia-lhe que sim. Havia pessoas do PAIGC com quem contactávamos para saber dos nossos familiares.”

A instrução para chegarem a comandos fundiu o corpo e a alma destes homens num objectivo comum: ir para a mata, enfrentar a guerrilha do PAIGC e sair de lá vivo. Mas nada disto foi mais forte do que o elo que os unia à família, nem capaz de esvaziá-los do medo que, ainda hoje, muitos não admitem ter sentido.
“A primeira vez que vi um morto na mata, fiquei quase uma semana traumatizado. Deitava-me na cama e não conseguia dormir. Uma vez fui ferido em combate, levaram-me para o hospital militar e vi lá tropas sem pernas, sem braços, sem olhos. Puxei pela cabeça e pensei: ‘Djaló, isto não é vida, tu também podes vir a ficar assim.’”

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“Os portugueses
puseram pretos
a combater
contra pretos
e entregaram-nos”

Ao recordar a juventude passada na guerra, há nestes homens um misto de mágoa e nostalgia. Pode, em simultâneo, o melhor tempo das nossas vidas ser também o pior? “Tenho saudades, era jovem, tinha força, fazíamos muitas brincadeiras. Na tropa, não havia distinção entre brancos e pretos, éramos todos amigos, gostávamos muito uns dos outros. O pior veio depois do 25 de Abril”, recorda Abdulai.

Nos dias que se seguiram à Revolução dos Cravos, houve festa rija na Guiné. Adivinhava-se o fim da guerra e do “trabalho” — nome com que se referem à tropa. Motivos para celebrar não faltavam. Joaquim Boquindi Mané, de quem falamos no primeiro capítulo, ficou contente, muito contente, quando ouviu na rádio o que tinha acontecido: “Soubemos que o Spínola tinha dado um golpe de Estado a Marcelo Caetano e saímos todos à rua para celebrar.” Conversaram, abraçaram-se, gritaram para o mundo ouvir: “A guerra acabou! A guerra acabou!” Até cantaram o fado: “As tropas metropolitanas cantavam coisas bonitas, diziam ‘vou para a minha terra’, ‘Guiné, vou-me embora, vou ter saudades, mas vou ver a minha mãe e o meu pai…’”

Os corpos ainda transpiravam de alegria quando os comandantes do PAIGC começaram a chegar a Bissau e a explicar aos africanos do Exército português que os brancos se iriam embora. Que, daí em diante, todos os filhos da Guiné se poderiam entender. Galé Jaló teve logo um mau presságio e decidiu regressar a Quebo, onde vivia antes de ser recrutado: “Deixei a farda e tudo o que me podia identificar no sítio onde morava em Bissau. A chave ficou na porta, vim-me embora logo como civil e comecei a trabalhar no campo. Se ficasse, sabia que ia ter problemas.”

Fernando Cabral

Soldado

 

1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné

“Do 25 de Abril? Lembro-me. Vocês ficam contentes quando andam à guerra? Contem-me! Ficam contentes com a guerra? Se eu dissesse que não fiquei contente quando a guerra acabou, estaria a mentir. A independência foi uma coisa boa para a Guiné, como é que não haveria de ser?”

Luís Sambú

Soldado

 

1.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné

“Acho que foi mau terem posto africanos a lutar contra africanos. Foi injusto. Os portugueses puseram pretos a combater contra pretos e, quando viram que a situação se tornou difícil, entregaram-nos. Quando a guerra acabou e aquela máquina entrou, não havia nada que pudéssemos fazer.”

Lamine Camará

Soldado

 

2.ª Companhia de Comandos Africanos da Guiné

“Se soubéssemos que o PAIGC ia ganhar a guerra, ninguém teria ido para o Exército. Porque aqueles que lutavam com eles [PAIGC] eram pretos como nós, procuravam dar-nos a independência. Se nos tivéssemos juntado todos, seríamos mais fortes. Mas, como não sabíamos, os portugueses atraíram-nos.”

Os comandos africanos foram a linha da frente do Exército português na luta contra o PAIGC. A última esperança de António de Spínola fazer vingar o Estado onde idealizou o Portugal do futuro — um país europeu e africano em que pessoas brancas e negras teriam os mesmos direitos e deveres. O que o então governador pareceu ignorar foram as desequilibradas relações de poder que, durante séculos, cavaram um fosso de desigualdade entre os povos europeus e africanos.

Fonte:

 

“Portugal e o Futuro”, António de Spínola

Quando o golpe militar de 25 de Abril foi anunciado, a tropa africana ainda nada temia: adivinhava-se o fim da guerra e, com ele, uma vida menos frágil e periclitante. Afinal, era Spínola, o homem que tudo lhes prometera, quem aos microfones da rádio proclamava a Junta de Salvação Nacional e garantia “a sobrevivência da nação como pátria soberana no seu todo pluricontinental”. Os comandos africanos só tiveram a noção de que estavam do lado perdedor, e sofreriam as consequências disso, meses depois, quando as perseguições, os espancamentos e as execuções sumárias lhes começaram a bater à porta.

Por graficamente não ser possível a identificação individual de cada uma das imagens, enumeramos aqui a sua origem e cota.

As it is not possible to individually identify each of the images within the body of the work, we specify here , in order of appearance, the origin of each image and its reference number.

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