“Isto não
é um nome
que se
entenda”
João Séco Mané só soube que se chamava João no dia em que entrou para a escola. Estava a mãe ainda grávida quando recebeu o aviso da administração colonial: “Logo que a criança nasça, o seu marido tem de vir cá fazer o registo.”
Fonte:
“Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo”, António E. Duarte Silva
Aconteceu a uma quarta-feira, dia 29 de Janeiro de 1948 em Nova Lamego (hoje cidade de Gabu), no Leste da Guiné. Por essa altura, sopravam os primeiros ventos do desenvolvimento português na então colónia: construíam-se estradas, erguiam-se pontes, e começava a falar-se de saúde, educação e saneamento.
Cumprindo as ordens que lhe tinham sido dadas, Bolom Mané dirigiu-se ao registo civil para anunciar o nascimento do filho. Foi recebido por um funcionário público que, já habituado àquelas lides, começou a reclamar — “isto não é um nome que se entenda” —, e lhe arranjou logo uma alternativa. João foi o nome que lhe calhou em sorte; em casa nunca deixou de ser, apenas, Séco Mané. Esta foi a primeira de muitas regras a que teria de se vergar para ser português.
João Séco Mané
Furriel
1.ª Companhia
de Comandos Africanos da Guiné
“Foi o meu pai quem me contou esta história. Disse-me que isto do registo começou praticamente no tempo em que eu nasci. Quase todas as pessoas da minha geração têm nomes portugueses. Metiam-nos na cabeça que tínhamos de mudar de nome, eles é que escolhiam, era tudo obrigação.”
Séco Mané tinha 15 anos quando o Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) atacou o quartel de Tite, em Janeiro de 1963, no episódio que ficaria conhecido nos livros de História como o início da guerra na Guiné. O conflito a que de um lado se chamou “Guerra de Libertação”, e do outro “Guerra Colonial”, talhou-lhe a vida ao meio. O pai foi preso em Setembro de 1965 pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) — acusado de ser conivente com os “terroristas”, permitindo que fossem buscar comida à horta da família; levaram-no para a ilha de Galinhas, uma prisão a céu aberto, onde o torturaram e espancaram. A mãe, com quatro filhos pela mão e um ainda no ventre, foi levada para o mato pelos guerrilheiros do PAIGC. Uns de um lado, outros de outro, todos reféns à força. No meio, obrigados a ir para a tropa, ficaram Séco Mané e o irmão Boquindi Mané que, feito militar, passou a ter Joaquim como nome próprio. Nessa altura, nenhum dos dois podia ainda imaginar que passariam dez anos sem ver a mãe e os irmãos.